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Guaíba – Rio ou Lago?

A cidade surgiu onde está porque a ocupação original foi decorrência da localização estratégica desse incrível corpo d’água cujo por do sol é um dos seus ícones

Magali Schmitt

Magali Schmitt

©Agência Brasil - Isac Nóbrega/PR

Guaíba é uma das marcas da paisagem e da identidade da capital dos gaúchos

Por Arno Kayser

Agrônomo, ecologista e escritor, membro da CPA e da plenária do Comitesinos.



O Guaíba é uma das marcas da paisagem e da identidade da capital dos gaúchos. A Cidade surgiu onde está por que a ocupação original foi uma decorrência da localização estratégica desse incrível corpo d’água cujo por do sol é um dos seus ícones.


Mas afinal o Guaíba é um Rio ou Lago?


A tradição diz que é rio. Mas a cidade de Porto Alegre, que tem o costume de dar dois nomes ao mesmo lugar, (Rua da Praia ou Rua dos Andradas para ficar no exemplo mais famoso), também o chama de Lago de uns tempos para cá.


O que tem gerando um grande debate que inclusive transcende a questão técnica entrando na esfera política com gente afirmando que passar a chamar de lago seria parte de um lobby para favorecer o setor de especulação imobiliária e permitir grandes obras mais próximas, porque os lagos têm uma área de proteção permanente mais estreita que os rios segundo o Código de Proteção da vegetação nativa (lei federal 12651/2012, mais conhecido por Código Florestal).


Os defensores da classificação como rio alegam que ele tem correnteza em direção a Laguna dos Patos para justificar sua posição.


Acompanho esse debate sobre a classificação geográfica do Guaíba há muitos anos. Em minha opinião, o correto é chamar de lago. Isso porque o Guaíba é parte da Laguna dos Patos. O fato de ter corrente interna no sistema acontece em muitos sistemas lagunares mundo afora. Os grandes lagos da América do Norte têm circulação interna e acabam no mar via baia de Hudson. No parque Torres Del Paine, no Chile, e na Patagônia argentina há muitos lagos com correntes internas que depois tem saída para o mar. O lago Constança entre a Alemanha e a Suíça também tem. 

Um rio tem fluxo unidirecional. Quase sempre para baixo, mas às vezes para cima em eventos especiais (como o Sinos que, às vezes, corre de volta até quase São Leopoldo quando o Rio Jacuí está cheio). O diferencial em lagos é que neles as águas, além de obedecerem à gravidade e ter correnteza de montante para jusante, dançam conforme o vento e também conforme as marés. Muda-se a direção desses fenômenos e a água mais na superfície muda de direção. Essas mudanças de direção do movimento das águas ocorrem diariamente no Guaíba. Em dias em que tempos vento sul, elas sobem em direção ao Delta e podem até inundar as quadras internas dos bairros da Zona Sul, como na praia de Ipanema. Com o vento de norte para noroeste a água corre para sul, elas se deslocam mais rápido para a Laguna dos Patos.  Outros momentos as águas batem mais forte na praia da Alegria e outras na margem da cidade de Guaíba. O Guaíba tem esse comportamento constantemente. 


Também sei dessa discussão sobre passar a ser denominado lago para ajudar a especulação imobiliária. Sou um crítico da especulação imobiliária sem controle, que tem muita força na cidade de Porto Alegre e que já fez muito estrago por não querer respeitar a legislação ambiental. Mas nesse debate a crítica não se justifica muito, porque a questão é que a maior parte da orla do Guaíba na cidade de Porto Alegre é ocupada antes de 1934 quando saiu o primeiro código florestal brasileiro.

Por conta disso, a legislação de áreas de proteção permanente as considera áreas consolidadas. A legislação não impede de usar por esse motivo. Em alguns pontos ainda não ocupados da cidade ela oferece proteção à ocupação e o debate até pode ser justificar. Mas essas áreas ficam mais na zona sul de Ipanema para baixo. A área central onde a especulação imobiliária tem grande interesse é do Cristal para o norte até o porto. Essas áreas são de ocupação antiga e são definidas como consolidadas porque se fosse aplicada mesmo a faixa de cem metros de áreas de proteção permanente de lago, teria de se remover uma grande porção do Centro e bairros próximos.


Além disso, pouca gente se questiona porque um lago tem menos proteção que um rio no atual Código de Vegetação Natural. Deveria ter proteção maior porque, em geral, tem menos capacidade natural de depuração de suas águas por conta de sua dinâmica de fluxos mais lenta que os rios.

Sei que essa discussão vai prosseguir como é típico do Rio Grande do Sul, mesmo que oficialmente o Sistema Estadual de Recursos Hídricos o classifique como Lago. Até porque o próprio nome do Estado deriva de uma confusão dos primeiros navegantes europeus que acharam que a barra da cidade de Rio Grande fosse de um grande rio e não a saída de uma Laguna.

 


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